A história das mulheres e comunidades marginalizadas na conquista, defesa e sustentação de seus direitos tem sido uma batalha constante. É como tentar abrir uma porta com mil cadeados e ter um monte de chaves aleatórias para tentar abrir. Quando conseguimos abrir uma fechadura, voltamos ao início: insira as chaves uma a uma em uma nova fechadura até encontrar a correta. Focados neste exercício, sabemos também que vivemos um tempo de igualdade de gênero, igualdade de oportunidades e aceitação do multiculturalismo; que ser feminista não é mais necessário, ou é algo muito radical.
Como mulheres migrantes e pessoas não binárias, às vezes vivemos na ambiguidade. Podemos reconhecer que talvez no país de acolhimento encontremos novas formas e espaços para sentirmos mais liberdade e autonomia, mas as nossas condições materiais de vida estão constantemente em risco. É como se abrissemos um cadeado, mas há sempre mais a percorrer
As atuais medidas de austeridade econômica do Reino Unido são hostis para os grupos minoritários da população ilustrando uma sistemática discriminação baseada em raça e gênero. Nossas comunidades e nossas vidas são restringidas pela forma como o Estado exerce suas leis em nossas vidas e pelos estereótipos que a sociedade tem sobre os migrantes. Quando sofremos violência doméstica, violência sexual, abuso, exploração, criminalização ou por causa de nossa condição imigratória, muitas vezes esse Estado nos tornou invisíveis ou nos mostrou paternalismo, limitando-nos ao que nos “dão”, por causa de nossa condição de estrangeiros que nos coloca em desvantagem
A busca por justiça social como migrantes não deveria terminar em “recebemos apenas o que precisamos” ou “recebemos o que podemos”.
A ideia de justiça social é que as sociedades possam ter oportunidades para todos, independentemente de sua condição social, econômica, sexual, racial, educacional ou de gênero, para garantir nossa dignidade humana. Essa ideia implica acabar com a pobreza, com as dividas externa; incentivar a cooperação entre países, sociedades e indivíduos; alterar as relações entre as instituições, ou o meio ambiente e as pessoas. No entanto, como apontaram ativistas e sobreviventes de várias formas de violência apontaram, precisamos de outros modelos de justiça além dos que conhecemos até agora.
O tipo de justiça que se anseia nestes tempos é a justiça transformadora. Isso implica repensar as relações que se constroem, as ideias que temos sobre justiça, criminalização, legalidade e ilegalidade, por exemplo, e o papel desempenhado por instituições como os Estados, a polícia, as prisões e a desapropriação territorial.
No nosso caso, devemos verificar e transformar as condições que esse sistema nos impõe por sermos mulheres e pessoas não-binárias sendo migrantes. Deveríamos começar a contar nossas histórias, nossos aprendizados e ações para pensar que outros mundos baseados na participação da comunidade e sem criminalização, são possíveis. Um mundo sem restrições de direitos e aplicações parciais de justiça; um mundo de ajuda mútua, de prevenção de atos que lesem nossa dignidade. Uma justiça transformadora que coloque no a vida e a nossa relação com todos os seres vivos e a Casa Comum que habitamos, a Terra, onde ninguém fica sem o seu espaço.
Devemos reimaginar abrir todos os cadeados e derrubar a porta de uma vez por todas.
Fotografía Silvana Trevale. Vogue