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Por Fernanda Martins

A decisão de denunciar a violência doméstica e procurar ajuda pode levar meses, anos ou décadas a ser tomada. Para uma mulher deixar um relacionamento abusivo, é preciso não apenas coragem, mas também condições materiais e apoio para fazê-lo. Para as mulheres negras, pertencentes a maiorias globais e migrantes, fugir dos seus perpetradores é um desafio em muitos aspectos. Algumas delas não têm acesso a um telefone para denunciar o comportamento controlador que sofrem, outras não se sentem confiantes ao comunicarem-se com as autoridades numa segunda língua, outras são impedidas de trabalhar, permanecendo financeiramente dependentes, e algumas delas são ameaçadas com o seu status de imigração. Todos estes são exemplos que surgiram das nossas entrevistas para a iniciativa Women Against Homelessness and Abuse (WAHA). Ao longo dos anos, a Latin American Women’s Aid (LAWA) tem oferecido apoio holístico ao compreender a complexidade dos obstáculos que estas mulheres enfrentam na sua jornada para escapar da violência doméstica. 

Para as mulheres negras e de maiorias globais, denunciar o abuso, infelizmente, não significa o fim de seus problemas. As mulheres frequentemente relatam terem sido desacreditadas, discriminadas e ainda mais criminalizadas ao lidarem com a polícia. Ao relatarem as suas experiências traumáticas, é imperativo que a polícia desempenhe um papel de apoio às sobreviventes, de forma não discriminatória e sem causar mais danos emocionais. Os casos de Lúcia e Carla demonstram com mais detalhes a interação de duas mulheres latino-americanas com as autoridades. 

Lucia é uma uruguaia de 36 anos que chegou ao Reino Unido em 2018 com seu companheiro de longa data. Durante anos, ela sofreu várias formas de abuso, incluindo abuso sexual, psicológico, online e perseguição. Ela viajou para seu país de origem para escapar desse relacionamento abusivo, mas o agressor alegou que ela sequestrou o filho deles. Lúcia teve que regressar ao Reino Unido e contatou a LAWA para dar os primeiros passos no sentido de encontrar um alojamento seguro e proteger o seu filho. O seu caso foi classificado como de alto risco e a LAWA apoiou Lúcia na obtenção de uma ordem protetiva. Mulheres como Lúcia frequentemente relatam esta experiência com as autoridades como traumática. Durante esse processo, ela revelou a necessidade de repetir sua história diversas vezes, sendo desacreditada e julgada por buscar ajuda governamental, e questionada por não retornar ao seu país de origem. 

“Tive que contar muitas vezes a minha história, o que passei, não foi uma experiência agradável, foi traumatizante e humilhante. Agora posso falar das coisas, mas naquele momento foi extremamente difícil. Eles precisam levar a situação mais a sério; isto (violência doméstica) deve ser visto com “outros olhos”. 

Carla é uma colombiana de 29 anos, lésbica e mãe de uma menina de 4 anos. Ela chegou ao Reino Unido com visto como esposa de uma cidadã britânica. Durante o relacionamento ela sofreu abusos verbais e físicos, uso de sua condição de imigrante para exercer controle, violência sexual, isolamento imposto, abusos emocionais e psicológicos. Durante anos, Carla viveu com medo das constantes ameaças e intimidações e, por isso, decidiu iniciar o divórcio. Ela contatou a LAWA em busca de ajuda no processo de divórcio e custódia da sua filha, bem como para solicitar benefícios. Seu caso também foi classificado como de alto risco e ela recebeu apoio para fazer o requerimento de Destituição por Violência Doméstica (DDV). Sobre os momentos em que precisou contar com auxílio policial, ela afirma: 

   “Eles (a polícia) respondem de forma fria e revitimizante, questionando a veracidade da minha história.” 

Embora uma agente da Polícia Metropolitana tenha sido designada como ponto de apoio, ela diz que a comunicação com esta agente tem sido inconsistente e periódica. Carla revela que percebe ser tratada de forma diferenciada, o que pode estar ligado às suas características físicas, à sua nacionalidade e ao seu modo de vestir. A falta de sensibilidade e formação especializada por parte da polícia e dos serviços públicos no tratamento das vítimas de violência doméstica significa que mulheres migrantes como Lúcia e Carla enfrentam uma abordagem discriminatória antes de serem apoiadas. 

Apesar do processo longo e traumático, elas continuam no caminho da recuperação. Carla mudou-se para um dos refúgios da LAWA por 8 meses. Ambas as mulheres foram apoiadas com a solicitação de moradia junto ao ao conselho local e atualmente vivem em alojamentos temporários. Elas foram ajudadas a obter um status de visto independente dos perpetradores e a obterem benefícios. Laura voltou a trabalhar como professora assistente, enquanto Carla está ingressando na universidade e aspira a se tornar cantora profissional. 

Lúcia e Carla são mulheres reais que merecem ser tratadas com respeito e igualdade pelas autoridades. Refletindo sobre esta questão, recomendamos que a polícia receba formação abrangente e obrigatória sobre como responder adequadamente aos casos de mulheres negras e pertencentes a maiorias globais sujeitas à violência doméstica. Em nosso Briefing de Políticas e Práticas compilamos reflexões e recomendações extensas, sendo uma delas a introdução à Valerie Law. Esta proposta dirigida à polícia do Reino Unido define a formação obrigatória de competências culturais em torno das nuances e barreiras culturais, coloquialismos, línguas e costumes que constituem as diversas comunidades negras e minoritárias no país. 

Outras ações importantes para melhorar os serviços à nossa comunidade passam por identificar e fornecer informações acessíveis às sobreviventes negras e maiorias globais que estão sem-abrigo em risco de não terem onde morar. Além de realizar encaminhamentos para serviços especializados e refúgios, bem como disponibilizar tradutores qualificados, objetivos e imparciais no seu trabalho, são alguns exemplos de como a polícia pode prevenir a revitimização das sobreviventes. 

Recursos: 

LAWA Policy and Practice Briefing, Reflections and Recommendations from the Women Against Homelessness and Abuse (2023)