Estima-se que mais de 11 milhões de africanos foram retirados de seus territórios de origem para serem escravizados no que hoje chamamos de América Latina e Caribe. Este movimento humano vem desde os tempos coloniais até quase a construção dos estados-nação latino-americanos. Assim, a diáspora africana teve um impacto não apenas na diversidade social, racial, econômica e cultural, mas também na diversidade culinária.
Muitos dos nossos pratos nacionais têm ingredientes e técnicas de origem africana que foram reinventados ao longo do tempo nas cozinhas das nossas terras. Inhame, feijão bóer, Candia, galinha-d’angola, pimentão, leite de coco, mandioca, banana, feijão preto e arroz longo são apenas alguns exemplos. Aliadas aos alimentos das novas terras, essas refeições faziam parte da identidade da comunidade nos locais onde se instalaram comunidades escravizadas e, posteriormente, já em luta pela liberdade e independência, nos palenques e quilombos.
Como latino-americanos na diáspora no Reino Unido, encontramos alguns produtos e alimentos em mercados multiculturais de Londres. Muitos desses produtos são familiares para nós e outras novidades. A verdade é que essa comida nos transporta para nossos territórios e seus sabores. Essa herança culinária que perdura até hoje é uma demonstração de resistência, memória coletiva e celebração. Apresentamos aqui 11 pratos de origem africana que ainda são cozinhados na América Latina e no Caribe.
Raízes africanas na comida latino-americana e caribenha: 11 pratos
Mangú (Purê de banana) é muito popular na República Dominicana e vem da região do Congo, de um prato semelhante que se comia na época da escravidão, feito com banana cozida. O real nome do prato é mangusi. A palavra mangú vem da palavra mangusi da África Ocidental, que se refere a qualquer purê de vegetais da terra. A origem do mangú remonta a 1916, quando os americanos invadiram a República Dominicana e, após, os soldados iriam para a cidade. Um dia, um dos soldados quis provar um pouco do purê de banana que viu os habitantes locais comerem. Quando ele provou, ele disse: “Man this is good” e apontando para ela, ele disse resumidamente “Man, good!”. Os moradores acharam então que o nome do purê de banana da terra em inglês era mangú.
Mofongo é um prato feito amassando banana verde frita com alho, azeite e chicharron (pele de porco frita). A mistura é moldada em uma tigela e montada antes de ser recheada ou servida com qualquer quantidade de carnes ou vegetais e um molho de alho. Segundo o historiador e autor Cruz Miguel Ortíz Cuadra, o mofongo vem da técnica angolana de amassar grandes quantidades de alimentos amiláceos, adicionando depois líquido e gordura para amolecer a mistura. Escravos de Angola e de outras partes da África foram trazidos para Porto Rico em 1500. A palavra “mofongo” deriva do termo angolano Kikongo “mfwenge-mfwenge”, que significa “uma grande quantidade de qualquer coisa”. Indo ainda mais longe, o prato tem suas raízes no fufu da África Ocidental, um purê de inhame cozido. Hoje você encontrará muitas versões do icônico mofongo em restaurantes porto-riquenhos, dominicanos e cubanos.
Mogo mogo é feito de mandioca, também chamada Aipim, Balinghoy, Mogo, Kamoteng Kahoy, um arbusto lenhoso da família Euphorbiaceae muito conhecido no México, Peru, Colômbia, Equador, Cuba e no Caribe, além do Brasil. Este prato é como fazer batatas fritas, mas substituindo-as pela mandioca, para acompanhar qualquer prato com carne e legumes.
Rondón é um prato afro-caribenho comido em vários países da América Latina que compartilham a costa com o mar do Caribe. É uma sopa composta por diferentes tipos de frutos do mar (peixes, caranguejos, lagostas pequenas ou mariscos), com leite de coco, banana, vegetais, pimentões e especiarias. É um prato tradicional nas Antilhas, Colômbia, Panamá, Costa Rica, Nicarágua e Venezuela.
Vatapá é um prato afro-brasileiro feito à base de de pão, camarão, leite de coco, amendoim finamente moído e óleo de dendê, amassado em uma pasta cremosa. É uma comida típica de Salvador, Bahia e comum nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. No nordeste da Bahia, costuma ser consumido com acarajé, e é também usado como oferenda ritual no Candomblé, com acaçá ou acarajé. O vatapá costuma ser consumido com arroz branco em outras regiões do Brasil. De origem africana, o vatapá chegou ao Brasil através do povo iorubá com o nome de ehba-tápa.
Tacu tacu é conhecido no Peru. Em toda a América Latina, arroz e feijão são um alimento básico enraizado na escravidão – e cada país tem sua própria versão. Foram escravos negros que cozinhavam os ensopados de feijão. No Peru, as mulheres afro-descendentes fritaram sobras de arroz e feijão-canário com banha para fazer o tacu tacu, um prato cujo nome vem da palavra quíchua taku, que significa “misturado”.
Sopa Okro é um prato típico da região Garifuna em Trujillo, Honduras. É uma sopa de raízes, onde o ingrediente principal é o vegetal okro africano (neju em garífuna, quiabo em inglês). A sopa Okro também é medicinal, sendo comida para eliminar pedras nos rins, por exemplo. Durante a escravidão nas Américas, os senhores de escravos davam a eles as partes de qualidade inferior dos animais que tinham. Destes, os escravos e posteriormente a comunidade Garífuna, conseguiram fazer receitas como canja de pé de galinha, pé de porco, cabeça de porco, língua de porco, miúdos fritos, chicharrones e chichara.
Picante Tacneña nasceu nas fazendas de algodão e cana-de-açúcar do Vale do Sama, no Peru, onde viviam escravos negros de origem africana. Eles aproveitavam as sobras da carne para a alimentação e as combinavam com alguns produtos da região como pimenta, batata, charqui e cochayuyo, segundo o jornalista e historiador José Gilio Vargas, de Tacna. O prato picante do tacneño foi inicialmente preparado com sobras de lhama guanaco ou alpaca, animais que transportavam os minerais das minas de prata da Bolívia de Potosí para o Peru na década de 1530. Mais tarde, sabe-se que os argentinos introduziram os animais de gado, com os quais preparavam seu delicioso churrasco e as vísceras eram temperadas com as de guanaco ou lhama.
Mondongo é comido em várias regiões ao longo da América Latina, inclusive no Brasil. É feito cozinhando-se uma sopa cujo ingrediente principal é a tripa de boi. Temperada com pimenta, cebola, alho, tomate e ervas aromáticas, esta sopa é fácil de encontrar em qualquer mercado popular na Colômbia, Cuba e em todo o Caribe, além de algumas regiões do Brasil. A etnolinguista Yeda Pessoa de Castro, da Universidade da Bahia, propõe uma etimologia para mondongo na língua africana Kikongo, com o significado de “intestinos, entranhas de certos animais”.
Tamales utiliza uma das técnicas culinárias africanas difundidas na América Latina e no Caribe, que é o uso das folhas verdes das bananeiras para selar pratos que exigem concentração de sabor, umidade e consistência, sendo cozidos lentamente. Na região da Costa e do Caribe, no México, onde afrodescendentes se instalaram para trabalhar nos canaviais, as folhas da bananeira são utilizadas para fazer tamales, prato típico onde se mistura a farinha de milho com banha, carne e caldeirada apimentada, selando-os em a forma de um quadrado para cozinhar.
Sangue de frango é utilizado em diversos pratos. No Peru, os historiadores afirmam que os fazendeiros apreciavam os melhores cortes de carne e reservavam os cortes de menor qualidade e as sobras dos animais para os escravos africanos. Desta tradição, obtemos receitas como o sangue de frango, prato típico peruano que combina sangue de frango com cebola, pimentão, mandioca ou batata.
Outubro é o mês da História Negra no Reino Unido. Nesse contexto, LAWA reflete sobre o impacto da escravidão na América Latina e no Caribe, na resistência das pessoas que foram escravizadas no processo colonial imperialista e reconhece a presença inestimável de comunidades negras em nossos territórios. Por isso, ao longo deste mês, estamos compartilhando alguns fatos sobre as raízes, a memória e a resistência das comunidades afro-latino-americanas. Convidamos você a participar da conversa além das fronteiras para a luta contra a discriminação, o racismo e o esquecimento, acompanhando a luta dos negros e celebrando-os.