Há muito, os países da América Latina e do Caribe negam a diversidade racial e seu impacto nos processos de miscigenação. A homogeneização das identidades nacionais levou ao encobrimento do profundo racismo e a desigualdade social a que historicamente foram submetidas as comunidades indígenas e afrodescendentes. Colonialismo, escravidão, deslocamento forçado, exílio e migração são alguns dos processos por que passaram as comunidades de origem africana para se estabelecerem em territórios onde hoje lhes é negado o direito de serem reconhecidas como cidadãs.
Ouvimos argentinos dizerem que “seus ancestrais desceram diretamente dos navios da Europa” para reivindicar sua branquitude, enquanto no México não se sabe que seu primeiro presidente em um território livre da tutela espanhola, foi Vicente Guerrero, originário de Tixtla, Guerrero, local de comunidade afro-mexicana desde os tempos coloniais. Tivemos que saber sobre o assassinato de Marielle Franco, no Brasil, para mais uma vez reconhecer a resistência dos afro-brasileiros e trazer o debate sobre raça a cenários mais visíveis. E falar sobre a crise humanitária no Haiti para reiterar que este foi o primeiro país as Américas a ter uma revolução radical, antecipando a revolução francesa.
A presença afrodescendente na América Latina e no Caribe, marcada pelo deslocamento forçado de seus territórios desde a época colonial, faz parte dos movimentos humanos da diáspora. Diáspora é uma categoria usada em estudos culturais para nomear grupos específicos de pessoas que foram violentamente arrancadas de suas terras natais e se estabeleceram em outros lugares. Essas comunidades resistem à assimilação total nos territórios que começam a habitar e são capazes de preservar o que consideram valioso de suas raízes e ancestrais.
A diáspora africana na América Latina e no Caribe começou com o tráfico transatlântico de pessoas de origem africana, que é considerado o elemento definidor, embora não termine aí. Por exemplo, na Argentina, no final da Segunda Guerra Mundial de Cabo Verde, os africanos de língua espanhola entraram não como escravos, mas como cidadãos livres que fugiam da colonização portuguesa e das condições de pobreza que existiam nas suas ilhas. Eles se estabeleceram principalmente em Ensenada e Dock Sud, Argentina, perto dos portos onde poderiam encontrar trabalho. A partir de 1990, vieram pessoas do Mali, Senegal, Mauritânia, Libéria e Serra Leoa. A maioria deles eram jovens que buscavam melhores condições de vida.
No México, podemos localizar lugares muito particulares de presença afro, ligados à diáspora e à resistência desde os tempos coloniais. Um deles é Veracruz, uma área próxima ao Golfo do México e ao Caribe mexicano. Ali, houve lugares onde pessoas que lutaram por sua liberdade se rebelaram contra o tratamento espanhol e agora construíram comunidades livres, chamadas de palenques ou quilombos, que hoje levam nomes ligados às suas raízes ou levam o nome de seus libertadores. Yanga, Coyolillo, La Matamba, Mandinga, la Matosa, Mozomboa ou as praias de Mocambo são os locais mais conhecidos. Alguns historiadores das comunidades afro mencionam que a cidade de Yanga, também conhecida como San Lorenzo de Los Negros, foi o primeiro território livre formado por ex-escravos e com autonomia própria.
Na Colômbia, diz-se que o primeiro território livre foi San Basilio de Palenque, uma área muito próxima a Cartagena de Indias. Uma característica fundamental deste lugar é a sua linguagem, o palequero. Alguns historiadores comentam que esta língua em particular é uma mistura entre o português, o espanhol e várias línguas bantu originárias da África Central e do Sul. Este lugar, como Yanga Veracruz, está ligado à história de um rebelde: Benckos Bioho, que em 1713 se rebelou contra o domínio espanhol, fundando assim o San Basilio Palenque.
Certamente, em cada território dos países de onde somos originários, existe uma referência a uma presença africana. Podemos perceber esse legado na comida, na música, na religião, especialmente em expressões de origem afro-caribenha e afro-caribenha com visibilidade crescente, na linguagem, nas letras e nos provérbios da sabedoria oral, bem como nos remédios de origem natural e, claro, em toponímias que reiteram a importância do reconhecimento dos afrodescendentes não apenas no passado, mas no presente.