Por: Jael de la Luz,
LAWA,
Change Maker Programme Coordinator
Na LAWA temos uma preocupação coletiva que se baseia em nossa prática como organização de mulheres e para mulheres migrantes e racializadas originárias do Sul Global. Nós mulheres que integramos essa organização, nos reconhecemos como latino-americanas. As questões de raça, classe, habilidades, a idade e o status de imigração, atravessam não apenas parte do nosso trabalho e serviços para a comunidade, mas nossas apostas pessoais e coletivas. A América Latina e o Caribe são muito diversificados e não há uniformidade de identidades nas centenas de identidades contidas no continente. Ser Latino-americano não é uma raça, e não deve ser tratado como tal. Temos refletido isso à partir da análise interseccional, porque não podemos escapar das tensões de reconhecer nossos privilégios e opressões interagindo ao mesmo tempo não apenas em nosso local de trabalho, mas em nosso cotidiano. Não podemos reproduzir visões simplistas das experiências universais e latino-americanas como um grupo social.
No Reino Unido, nos unimos para refletir sobre como é ser mulhere racializada e como o racismo estrutural nos afeta, especialmente no contexto atual de austeridade e hostilidade política às comunidades migrantes e refugiadas. Temos feito essa reflexão com toda a equipe e também estamos trabalhando com as mulheres da nossa comunidade que participam do programa Mulheres Tecendo a Transformação (Change Makers), tanto em espanhol quanto em português.
À partir do programa Change Maker, um especial para mulheres de língua espanhola e um para mulheres de língua portuguesa, como um espaço de aprendizagem comum, temos sido capazes de falar sem medo sobre a presença negra e indígena ou nativa dentro de nossas sociedades. Percebemos que o discurso da miscigenação, como uma fusão de raças e grupos étnicos, nos afetou, ao tentar unificar como se fôssemos uma única cultura e uma identidade. A narrativa da miscigencção torna invisível a particularidade de nossos corpos racializados e nossas raízes que são diversas.
Hoje em dia, ser latino-americano e caribenho é reconhecer a raiz indígena ou nativa que resistiu ao extermínio e à violência colonial; a herança negra de pessoas que foram escravizadas e forçadas a trabalhar em nossos territórios; o resultado europeu branco das múltiplas ondas de migrações que os colonos e poderosos fizeram em busca de aventura, saqueamento e criação de um segundo lar. Toda a nossa corporeidade, afetos e sentimentos que nos atravessam como mulheres latino-americanas e caribenhas é marcada pelas relações de história e poder de nossos ancestrais.
Como mulheres migrantes e racializadas, algumas de nós assumindo as fronteiras da normalidade hetero, compartilhamos experiências de como no Reino Unido fomos condicionadas ao pleno exercício de nossos direitos e humanidade. Em Mulheres Tecendo a Transformação (Change Makers), isso ficou claro quando mulheres afro-latinas ou descendentes indigenas, expressaram como foram mais expostas ao racismo estrutural que não imaginavam viver em um país de “primeiro mundo”. Muito menos em uma cidade tão diversificada quanto Londres.
Essas reflexões de pouco mais de três anos, nos levaram a pensar que sobre o que há em comum para compartilharmos com a comunidade negra e asiática no Reino Unido no Balck History Month. Acreditamos que há uma história comum, que é a história do colonialismo e seus efeitos intergeracionais, que vão além das fronteiras nacionais. O colonialismo como experiência histórica marcou as relações entre territórios, nações e corpos, pela herança da exploração e escravidão a que nossos ancestrais foram submetidos por países ocidentais como Reino Unido, Espanha e Portugal e, ainda afeta a vida de pessoas de ascendência africana, asiática e latino-americana que se reconhecem como indígenas ou afrodescendentes e/ou racializadas. Em um contexto de globalização e livre circulação como o que vivemos, pessoas racializadas de origem latino-americana e caribenha experimentam restrições e barreiras que limitam seu bem-estar e mobilidade social em todos os aspectos de suas vidas. Essas restrições são uma expressão de racismo estrutural.
Cientes dessa história de que no une, abraçamos a causa da negritude como uma posição política para unirmos às resistências e aos sonhos pela libertação do nosso povo, na tarefa de desmantelar as opressões que a supremacia branca colonial, racista, capitalista e patriarcal impôs sobre nós. Nessa tarefa de transformação, a interseccionalidade é uma ferramenta para analisar as relações de poder que atuam nos sistemas de identidade para desmontá-los e, assim, buscar alternativas para construir pontes de solidariedade em causas em comum. Na luta contra o racismo estrutural, imaginamos um mundo em que temos um lugar como migrantes que vivem na diáspora latino-americana no Reino Unido.
A comunidade negra no Reino Unido enfatiza seus movimentos sociais, lembra seus ativistas, reconhece a liderança de mulheres e de pessoas na comunidade LGTBTQ, e continua a falar sobre questões como falta justiça social e racial. Experiências semelhantes existem na comunidade latino-americana no Reino Unido, onde mulheres afro-latinas, descendentes indígenas e racializadas das periferias das cidades latino-americanas priorizam as preocupações das comunidades que representam.
É por isso que neste Black History Month queremos participar da conversa, para tornar visível e celebrar o que mulheres afro-latinas, descendentes indígenas e pessoas racializadas que vivem no Reino Unido estão fazendo: uma mudança que contribui para a justiça racial e social.